17 junho, 2017

APELO

Por:
Juçara Regina Viegas Valverde
Regional RIO DE JANEIRO
E-mail jucvalverde@gmail.com









A frustração dos perdidos, excluídos
agride a calma da noite que se vai
por roubo dos distraídos.

Apelo de uma cidade comprimida
escambo ativo.

Tudo se troca.

A pobreza permeia a riqueza
neste caldeirão urbano
sem limites.

Mundo conturbado por valores em desuso
que empobrecem o viver.

Perturbam o passar das horas.

Convivem superando
conflitos diários
em busca de soluções prontas.

Reclamo
retorno ao meu caminho.

Rebelo-me a indiferença.


16 junho, 2017

NOTA DE FALECIMENTO - DR. FLERTS NEBÓ


Prezados amigos, 

Com pesar recebemos a informação do falecimento hoje pela manhã, aqui em São Paulo, do nosso confrade FLERTS NEBÓ, destacado profissional médico e profícuo escritor, que fundou a SOBRAMES SP e foi o 17° presidente da SOBRAMES.

O brilhante sobramista FLERTS NEBÓ também era acadêmico da Academia Brasileira de Médicos Escritores-ABRAMES e foi meu padrinho  na distinta Academia.

Sempre será lembrado por sua carreira como médico e intelectual das letras, destacando-se ainda pela dedicação às artes plásticas com suas pinturas em tela e desenhos inspirados.

A perda para a SOBRAMES é muito sentida e hoje nossa confraria está mais triste.

Que nosso ilustre amigo repouse em paz, na sua passagem ao encontro de sua inesquecível dona Madalena.  

À família enlutada, os sentimentos da família SOBRAMES.

Josyanne Rita de Arruda Franco
Presidente da SOBRAMES


MEMÓRIA DE RIO

Por:
Pedro Henrique Saraiva Leão
Regional CEARÁ
E-mail pedrohsaraivaleao@hotmail.com














1. já vais, João? o sol seca o orvalho e pare a noite, Maria
2. mas os pássaros 'inda dormem João porque estão na
3. barriga da cobra! a cobra bebeu o leite da vaca dentro dela
4. a vida é só uma cobra enrolada antes do bote Maria
5. melhor esperar o rio não dá pra nadar na estrada, né, João? e se
6. o rio atrasar esperando a chuva esperar as nuvens! chuva
7. e folhinha de calendário se arranca todo dia, viu, João?.
8. rio só tenho as lágrimas estas nunca secam e perguntas
9. já vou se nunca cheguei? sou sonhado prometido Maria
10. o rio vai chegar, não mora nem demora 'tá sempre vindo
11. nem e mais surpresa solta-se vez em onde João mas vou
12. nadando no pó nada lhe dando que tudo me deu; há muito
13. sinto cheiro de chão nas narinas e na memória os otorrinos
14. dizendo rinite Os psiquiatras falandoemfreud Maria não
15. esqueça as ilusões é bom nadar com elas no bolso ninguém
16. confia em certeza João agora atravessada a praça certeza
17. e o que levo, última; eterno e ter na mente, o tempo que
18. nem passa murcha e o doce não sentimos mais, e F de foi,
19. assim mesmo, sem a perna de baixo, ou assim: F, qual asa
20. só do lado do querer, derradeiro inquilino, Maria quede-se
21. mais João não Maria, já vou.
22. Bem... te vi.


N.b. Isto e para os compositores Claus Ogerman, alemão (1930); Arvo Part, da Estônia (1935); e Philip Glass, americano (1937)


14 junho, 2017

A LENDA DE PROMETEU

Por:
Ildeu Baptista de Oliveira
Regional MINAS GERAIS
E-mail Ildeu@globo.com







Ésquilo, nascido em Elêusis, próxima a Atenas, em 525 a.C., é considerado o pai da tragédia grega. Uma de suas peças mais grandiosas pelo tema que focaliza é o “Prometeu Acorrentado”. Segundo a Mitologia, Júpiter, ao assumir o poder sobre o universo, desejava manter a espécie humana na condição próxima à animalidade ou mesmo destruí-la para substituí-la por outra de sua própria criação. Prometeu, condoído da sorte da humanidade, apodera-se de uma faísca do fogo celeste doando-a ao homem, que com isso adquire a razão e a faculdade de cultivar a inteligência, a ciência e as artes.

Como castigo por esse crime, Prometeu foi acorrentado a um rochedo onde se submetia ao suplício de ter, a cada dia, parte de seu fígado devorada por um abutre.

Há trechos de impressionante beleza nesse drama esquiliano, nos quais Prometeu demonstra invejável altivez diante das ameaças do Júpiter vingativo que desejava obter do herói os segredos do futuro por este conhecido. (Prometeu significa “aquele que prevê”.).
O desenvolvimento humano procura ampliar o predomínio da racionalidade, da inteligência e do amor sobre os impulsos destrutivos e irracionais, tarefa exercida pelos pais no quotidiano convívio com os filhos. Esse processo civilizador prepara as crianças para a vida social, para que se tornem cidadãos responsáveis capazes de exercer o papel ativo e criativo na construção e transformação do mundo.

É tarefa difícil, trabalhosa e permanente. Buscar exercer a autoridade sem autoritarismo. Manter a firmeza sem perder ternura. Corrigir sem humilhar. Proteger sem cair no exagero da superproteção. Dizer sim sem ser permissivo. Saber impor limites em conformidade com as limitações. Acompanhar e respeitar o ritmo de desenvolvimento de cada filho, sabendo que há diferenças marcantes entre eles. Aprender a se relacionar de maneira especial na medida das particularidades de cada um. Pois cada filho é único e especial. Buscar o diálogo a cada momento e nas mais difíceis situações.

Manter um pé na crueza da realidade e outro nas asas do sonho e do ideal. Mostrar a beleza do mundo sem ocultar seus perigos. Ensinar que a felicidade é o bem maior, que é uma conquista e uma elaboração paciente e fundamentada no Trabalho, Amor, na Verdade e na Justiça. Que cada um é responsável na construção de sua vida e de seu destino.
Ser pai é aprender com os filhos. É ter a humildade suficiente para reconhecer seus próprios erros e a grandeza para pedir perdão.

É desenvolver nos filhos a capacidade de discernir para que não se deixem levar pela propaganda enganosa, pelo canto da sereia dos prazeres artificiais e imediatos e pelas falsas amizades. Que exerçam com inteligência a liberdade com responsabilidade. Que aprendam a ser tolerantes com os demais, apesar de crenças, etnias e credos diferentes. Que respeitem o direito dos outros e que se coloquem ao lado dos mais fracos e oprimidos. Que cultivem a cortesia, a gentileza e urbanidade e que adotem as regras de convívio social. Que ajudem a preservar a natureza. Que não sejam subservientes nem arrogantes.

Ser pai é saber que os filhos são criaturas de Deus e, portanto, senhores de intrínseca dignidade. É demonstrar seu amor através de gestos de carinho e de afirmações verbais com todas as letras “meu filho ou minha filha eu te amo”. Pois os filhos necessitam saber o quanto são amados. É saber que elogiar os filhos não irá “estraga-los”, pelo contrário, despertará neles o desejo de ser melhores.

Que a bondade e generosidade dos pais simbolize para os filhos em pequena escala a imagem do Pai Supremo, amoroso e misericordioso.

Que os filhos saibam que a vida é incerta. Que terão dificuldades, frustrações e desilusões. Mas que tenham a certeza de contar com o apoio paterno nos momentos difíceis.
Sobretudo, ser pai significa ser presença. Estar disponível para escutar e participar da vida dos filhos. É ser criança e adulto ao mesmo tempo.

Equilibrar-se no fio tênue entre a certeza e a dúvida, entre a justa medida e o exagero é a essência do quotidiano paterno.

Somos pais, mas somos humanos. Erramos, pois não somos perfeitos. Buscamos acertar sempre, mas nem sempre conseguimos. Mas nunca perdemos a esperança que é o nosso alimento.

Esperança que nossos filhos sejam felizes. Que Deus nos ajude, a nós pais, modernos Prometeus, presos aos nossos filhos pelos indeléveis laços de ternura.



12 junho, 2017

NAMORANDO NO AMOR

Por:
Socorro Azevedo Veras
Regional MARANHÃO
E-mail socorroazevedoveras@hotmail.com







Passa o tempo sem dó nem piedade
E depressa nos faz caminhos para andar
Vai passando anos, emoções, idade
E o primoroso tempo nos dita: amar.
Tira -nos do colo materno luminoso
Põe-nos, sem pejos no colo de alguém
Que explode em luzes, som misterioso,
Cantos e emoções do maior querer bem.
Exclui dor ou mágoas e sorrindo
Enfrenta mil desejos de dominar,
Mas angustia no medo de saber partindo.


Compraz -se em cada tempo mais ama
No carinho de manter novo e infindo
O prazer renovado de sempre namorar.


06 junho, 2017

A BELÉM DO PARÁ, ONTEM E HOJE

Por:
Alípio Augusto Bordalo
Regional PARÁ
E-mailborinfor@amazon.com.br

     









                                                                     
A Santa Maria de Belém do Grão Pará foi fundada pelo Capitão-mór da Armada portuguesa, Francisco Caldeira Castelo Branco, aos dias 12 de janeiro de 1616. Àquela época, franceses e holandeses já faziam incursões na costa do Maranhão e vale amazônico, o que muito preocupava a Coroa portuguesa. 

O local escolhido foi um sítio elevado na foz do rio Guamá, onde, logo, se construiu o Forte do Presépio. Construção empírica de taipa e pilão e que depois foi substituída por uma verdadeira fortaleza de pedra, cal e canhões feitos em Portugal e Inglaterra.

A cidade está situada a cerca de 2° latitude sul, em plena zona equatorial. Iniciou, séc. XVII, com apenas dois bairros – Cidade Velha e Campina - separados pelo igarapé do Piry, cuja foz é, hoje, a doca do Ver-O-Peso.

Queremos focalizar, aqui, a Belém da nossa meninice, adolescência e atual,  da década de 30 até o alvorecer do séc. XXI.

Em 1930, nosso pai, José Bordalo, caixeiro-viajante, levou a família para Santarém, região do Baixo Amazonas, para que pudesse passar mais tempo com seus entes queridos. Como os filhos mais velhos continuavam morando e estudando, em regime de internato, em colégios particulares, resolveu retornar a Belém em 1935.

Foi, então, durante os anos 30, que vi e conheci a cidade. Morávamos à rua Ó d’ Almeida, bairro da Campina, hoje, Centro comercial. Defronte da casa, havia o imponente Reservatório “Paes de Carvalho”, que o povo chamava “caixas d’água”.  Estrutura férrea, de origem européia, erguida ao final do séc. XIX, talvez, àquela época, a mais alta da cidade, pois, quem chegasse pela baia de Guajará, já a avistava. Muitos diziam que representava a torre Eiffel parisiense em Belém. A má conservação comprometeu sua estrutura e, durante a década de 60, foi demolida e substituída por outro reservatório de concreto armado, desprovido da beleza arquitetônica antiga. Resta-nos sua memória.

O centro comercial compreendia as  ruas Sen. Manoel Barata, Cons. João Alfredo, Santo Antonio, 15 de Novembro, Gaspar Viana (antiga Rua da Indústria), Boulevard Castilhos França, Av. Portugal e as travessas Frutuoso Guimarães, Campos Salles, Padre Eutíquio e Sete de Setembro.

Um comércio cosmopolita com portugueses , talvez 60%, libaneses, italianos, judeus (marroquinos e europeus), ingleses e alguns japoneses que chegaram na década de 30. Os paraenses eram empregados ou pequenos comerciantes.

A Amazônia durante o  apogeu do ciclo da borracha (1870-1912) e a 1ª metade do séc. XX atraiu a imigração de outros povos. Os portugueses se dedicaram ao comércio varejista de tecidos,  farmácia, óptica, ferragens, mercearias, padarias  e atacadista; os libaneses, tradicionais mascates, abriram casas de tecidos e armarinhos; os italianos, sapateiros tradicionais,  proprietários das principais sapatarias  e alguns metalúrgicos, popularmente, conhecidos como “amoladores” de facas, canivetes e tesouras; os judeus.de origem alemã eram joalheiros e transacionavam com ouro e prata, enquanto os de origem marroquina se espalharam pela capital e interior e concorriam com os libaneses; alguns de origem eslava abriram fábricas de móveis. O comércio da castanha do Pará, borracha e balata, de grande aceitação na Europa, por longo tempo, esteve dividido entre portugueses, libaneses e judeus. A minoria inglesa trabalhava na administração das antigas Amazon River,  Port  of Pará, Pará Eletric,  Pará Telefhone e as companhias de navegação Booth Line e Lamport Line.

No eixo central - ruas João Alfredo-Santo Antonio – víamos as casas de modas, tecidos, armarinhos, sapatarias, livrarias, farmácias e alguns bancos. Ainda, hoje, se vêm os imponentes prédios com 2 ou 3 andares da Livraria e Typographia Universal, Banco do Pará, o antigo prédio do Banco do Brasil, O Ganha Pouco, Bom-Marché, Casa Carvalhaes, Paris N’ América com sua escadaria de liga metálica e adornos art-nouveau, Pharmacia Cezar Santos e outros. São edificações da 2ª metade do séc. XIX e início do séc. XX.

Em outro eixo paralelo – Rua 15 de novembro-Rua Gaspar Viana – haviam bancos, como sejam, Banco Ultramarino  Português, London & South América,  Comercial do Pará, Comércio e Indústria de Pernambuco,  Moreira Gomes e, também, as principais casas atacadistas ou aviadoras. Nesta rua, merece ser lembrado, “O Barbinha”, tradicional café e bar com suas mesas e montras de mármore e bronze, onde os comerciantes se reuniam e, enquanto degustavam um bom vinho seco, fechavam transações comerciais. O “Barbinha” deixou saudades a muitos comerciantes , já octagenários.

No antigo bairro do Reduto, se concentrava a zona industrial com as fábricas – Perseverança, de aniagem e cordas; Boa Fama, de calçados e bolsas; Phebo, de sabonetes e perfumaria; A Nacional e Tabaqueira, de fumo e oficinas mecânicas.

A vida sócio-cultural do belenense acontecia no eixo – Av. 15 de agosto, Pça. da República e Av. Nazaré -, com o Theatro da Paz e Palace Theatre, Cinema Olympia; o tradicional e saudoso terrace do Grande-Hotel; os café-restaurantes Central, Brasil, Avenida, Chique, Da Paz,  Rotisserie e o Bar do Parque, da boemia; os clubes sociais Assembléia Paraense, Tuna Luso Comercial, Pará Clube e Clube do Remo. Os principais hotéis (Grande-Hotel, Central e Avenida) primavam com trios musicais de piano, violino e contra-baixo, durante o jantar. As exposições artísticas (pintura, desenhos e caricaturas) se realizavam na Galeria Angelus do Theatro da Paz e no Palace Theatre do imponente Grande-Hotel.

A partir da década de 50, a Belém do Pará se modifica. Acabam os bondes elétricos; o centro comercial se transforme, perde seu charme e elegância, surgem os camelôs imigrantes ocupando as ruas; os antigos comerciantes se aposentam ou falecem e muitas firmas e fábricas se extinguem. Poucas lojas tradicionais conseguem sobreviver. Surgem os supermercados em diversos bairros que passam a ter comércio próprio, inclusive como novos bancos e agências da Caixa Econômica. Com a rodovia Belém-Brasília, as grandes casas atacadistas desaparecem. Chegam os shoppings Castanheira e Iguatemi Belém.

A arquitetura antiga dos belos e amplos casarões com azulejos portugueses e jardins, dos séculos XVIII, XIX e XX cedem lugar aos edifícios modernos, “os espigões”. Dos chalés de ferro oriundos da Bélgica e França, restam apenas dois, estando o maior no campus do Guamá da UFPA e o menor no Bosque/Jardim Botânico. Dos quiosques e coretos do Largo de Nazaré, foram demolidos e diz vox  populi surrupiados. Os trens e trilhos da Estrada de Ferro de Bragança, inaugurada em 1908, um nordestino de nome Juarez Tavora, quando ministro da Viação e Obras Púbicas, transfere para sua terra natal –  o Ceará. Dois belos monumentos arquitetônicos – a Fábrica Palmeira e Grande-Hotel/Palace Theatre – são demolidos. No lugar do 2°, se ergue o Belém Hilton Hotel.

A fisionomia urbana da Belém do Pará ao alvorecer do  séc. XXI é progressista, moderna, dinâmica e mostra aos visitantes a revitalização do centro histórico –  Forte do Presépio, Igreja de Sto. Alexandre, Palácio Episcopal (atual Museu de Arte Sacra), a Catedral da Sé e a tricentenária Casa das Onze Janelas (atual Boteco das Onze) -; Estação das Docas; Ver o Rio; São José Liberto; os Palácios/Museus restaurados (Museu Histórico do Estado e Museu de Artes); Mangal das Garças; Basílica de Nazaré com os belos vitrais e mosaicos e o Santuário de Fátima. Destacam-se as três maiores praças/parques – República, Batista Campos e D. Pedro II.

Percorrendo e observando a cidade, se vê a antiga Belém, com ruas estreitas e alguns becos da Cidade Velha e a Belém nova, com avenidas e boulevards largos e longos. A Belém, das mangueiras e das águas é, decerto, o portal da Amazônia.

Belém, agosto/2008


04 junho, 2017

RENASCIMENTO

Por:
Celina Corte Pinheiro de Sousa
Regional CEARÁ
In memoriam









Cansada por dentro e por fora. A alma padecia de uma terrível solidão e o corpo revelava seu desconforto diante da vida. Olhar opaco, unhas quebradiças, sem viço, passos pesados, ombros arreados para frente. Vida em branco e preto, sem sonho, nem fantasia. Real demais para satisfazer. Sob a percepção dos demais, considerada uma pessoa de sucesso. Mas não se sentia assim, face à agrura íntima que a devorava. Pregado na face, um eterno sorriso, embora o olhar fugidio denunciasse o que ela não verbalizava. Em seu espírito, habitava uma vontade de acabar com tudo de vez. 

Há anos acompanhava o companheiro em sua saga. Paralisado, não deixava o leito e não via o sol nascer todas as manhãs, pois o paredão de um prédio, construído ao lado da casa, impedia até a visão do céu. Mas tanto fazia, pois ele se ausentara do mundo há bastante tempo. A tez alva e fina se assemelhava a um papel de seda enrugado pelas mãos. Um molambo humano, sem graça, sem ternura. Apenas um vivente. “Meu Deus, por que a vida não o leva à morte?” – pensava e se arrependia. Não queria ter remorso quando ele morresse. Mas, sinceramente desejava  ver o sofrimento de ambos chegar ao fim.  Sentiria falta daquela presença após tantos anos de convívio. Quase quarenta... Quase uma vida! Mas não suportava mais a ausência de compartilhamento. O amor se perdera. Em seu lugar, a compaixão... Às vezes, nem isso! A raiva, a desesperança e a frustração tomavam conta dela e a afogavam.

Ele não percebeu. Impossível! Mas os amigos perceberam que o sorriso de sempre mudara. Agora, Artemísia parecia sorrir de verdade. Não era mais uma máscara de cera. O olhar se tornara menos enrijecido. Além do sorriso diferente, brincadeiras com o cachorro, coisa que não fazia há muito tempo. O animal se sentia igualmente depressivo, pois era apenas mais um elemento dentro da casa tão desiluminada. Artemísia teve a impressão de que quando se olhava no espelho, ele sorria para ela. Sentia-se bonita, atraente e o espelho concordava. A vida sempre solicitara dela um dispêndio de energia muito grande e o tempo se encarregara do resto. Mente brilhante, capaz de comandar o império construído pela família, secara por dentro de si. Os filhos não conseguiam vê-la frágil, pois ela mantinha seu jeito forte mesmo nas situações em que suas emoções eram mais exigidas. Mas, dentro de si, desmoronara pouco a pouco, sem que percebessem... 

Seu renascimento se dera de uma maneira estranha, meio por acaso. Por força de sua profissão, tivera contatos com ele através da internet. Uma única vez por telefone. Nem se recordava da voz... A princípio, contatos nada agradáveis. Melhor defini-los como hostis, mas ela, habituada a lidar com diferentes humores, conseguira contornar tão bem a situação que ele se tornara menos agressivo, demonstrando progressiva admiração e simpatia por Artemísia. Ela, por sua vez, apreciou os galanteios que ele lhe fazia através da internet. Sentiu-se desejada fêmea no cio. Trocaram fotos e mensagens, restauradoras de um desejo incontido, que seu corpo pensara já ter esquecido. Tudo aquilo superava o corriqueiro e mexia com ela. Uma nova energia percorria seu corpo provocando uma excitação inaudita. Voltou à sua juventude, quando sentia aquela pulsação agradável e inconfessável... 

Ele também sentia os arroubos de uma paixão desenfreada e virtual. Homem maduro, experiente, delineava o imaginário através das fotos virtuais trocadas entre si... Dirigia palavras meigas e doces à Artemísia que, se as ouvira algum dia, há muito esquecera. Ela leu diversas vezes a mensagem em que ele confessava sua paixão: "Você me encanta, me inebria, agita minha mente e me dá forças para continuar a viver...”. Sentiu um leve arrepio. Sorriu sensual.

Amaram-se profundamente. E sem qualquer culpa! Eram ambos profundamente solitários e sonhavam com o dia do encontro. Trocaram beijos e mais beijos na rigidez da tela. Amaram-se e repetiram orgasmos imaginários nunca pensados. O amor mais bonito de toda uma vida.  Estendiam as mãos e, na virtualidade, chegavam a sentir o toque na pele, um do outro. Um maravilhoso jogo de faz de conta que valia à pena... Até que um dia... Até que um dia, ambos mergulharam na rede e sonharam o sonho mais lindo, em outra dimensão... 






03 junho, 2017

TEMPO DE ESTUDOS


"Sobramistas de escol em tempo de estudos: Dr. Waldemar Naves do Amaral e Dr. Lincoln Lopes Ferreira, Vice-Presidente da AMB, em São Paulo!"


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MEDO MATA?

Por:
Paulino Vergetti Neto
Regional ALAGOAS
Email: conepaki@uol.com.br













Morávamos em uma casinha bem simples. Uma casinha de taipa, até grande. Possuía seis quartos. Morávamos os três: papai, mamãe e eu, o filho caçula de uma leva de onze. Mamãe era parideira, mais parecia com uma preá. Os outros viviam para as bandas de São Paulo. Todos bem, casados e com seus empregos. Sempre fui apegado ao sertão, tanto, que preferi permanecer com os velhos na mesma casinha aonde havia nascido há dezoito anos. Cacimbinhas situava-se no começo do sertão alagoano. Quente, seco, mas uma terra onde ninguém morria de fome. Dividíamos o pouco que tínhamos, e, quando faltava a mistura, não faltava os preás das palmas nem as codornas, nem as perdizes.

Bum, houve um estrondo! Ouvi-o sem muita certeza do que se tratava. Um tiro? O barulho tornou-se maior porque aconteceu dentro de casa, na saleta, onde pai gostava de dormir à noite, por causa do calor infernal que fazia quando íamos para o quarto. Estirava-se no chão, sobre uma esteira de Peri-Peri e punha-se a roncar até o dia raiar. Antes mesmo, no escuro, já estava chamando o gado para "desleitar" as vacas paridas. Uma vida bem campesina, a nossa, cheia do telúrico e do saudoso. O resto da família estava longe de nós...

Pensei que fosse o estouro de uma bomba daquelas que se usava nos festejos juninos. Papai tinha ido caçar perdiz na fazenda do velho Manfredo. Uma atividade combatida pelo fazendeiro a ferro e fogo.  Trouxe no bornal seis perdizes. Em tempos de seca, isso representava um banquete. Ele mesmo as despenou e tratou. Sabia bem esse ofício. Caçador inveterado. Mas quem temperava era mamãe. Nisso ele fora vencido por ela. Amanhã, domingo, coincidia com seu aniversário. Não havia ido caçar à toa. A garrafa de Cachaça de Cabeça já estava reservada. Encomendara a seu Herculano há uns dois meses. Nunca vi papai embriagado. Nem tampouco permitir que ninguém se embriagasse lá em casa, nem na fazenda.

A casa estava escura. Sentia-se um fedor de pólvora queimada. Meu candeeiro tremeluzia, quase apagando, trepado na parede do meu quarto. Gritei pra mãe e ela não respondeu. Não sei onde, mais achei coragem e me levantei. Lá se ia um medroso e uma luz imprestável, a passos lentos, na direção do outro quarto. Quando alcancei o destino, vi-a sentada na cama passando a mão na cara, sem saber direito o que havia acontecido. Estava tonta. Seu candeeiro ainda estava forte. Subia um tufo de fumaça que ardia a venta da gente. Troquei o meu por ele e saímos os dois até a sala para encontrar o corpo de pai. Não bastasse aquela escuridão toda do tempo, meu olhos começaram a se encher de lágrimas e mais turva ainda ficavam as imagens da casa. Olhei para o terreiro, por cima da janela, e vi que o dia queria nascer. O horizonte estava arroxeado e já se ouvia os pássaros cantando. Senti um ventinho morno entrando em casa. 

Quem primeiro viu o corpo estirado e com a cabeça coberta fui eu. A parede estava toda esburacada e a espingarda no chão. Óxente, pai deitado e a espingarda no chão? Que diacho de crime foi esse? Perguntei de mim para mim mesmo. Notei que a cena que vira estava estranha, mal desenhada, incomum. Me agachei e virei o corpo de pai. Trazia na face dois boticões de olhos que dava medo. Estava vivo e fedendo a merda. Poxa vida, agora que percebi que o que havia acontecido fora um disparo acidental da soca-soca de pai e a vítima tinha sido a parede. 

- Mas pai, o senhor se borrou de medo? Que homem é o senhor?

- Respeita teu pai, menino, vai se deitar e me deixa aqui com ele. Eu resolvo isso já!

Obedeci-o. Mãe, uma mulher bonita, sertaneja com cara de índia, decidida, corajosa. Não conhecia o medo. Do quarto ouvi quando pai deu um grito e saltou em pé no canto da sala, justamente na parede que dividia com meu quarto. Ouvi mãe chamá-lo de cabra frouxo e dá-lhe uns solavancos. Pus o lençol na boca para não soltar uma gargalhada e depois nada mais vi da confusão. 


O dia amanheceu, ele lavou-se e foi ao curral fazer a ordenha das leiteiras e mãe foi pôr lenha no fogão e tacar fogo. Atrelei os bois de carro e fui buscar a água do dia para lavar as coisas de casa. Tinha que andar uns seis quilômetros até chegar no poço de água doce, uns dos poucos na região. Quando retornei, de fora senti o cheiro das perdizes sendo fritadas, o leite no fogo quase fervendo e pai acocorado do lado de fora de casa, sob uma das biqueiras, fumando seu cachimbo fedorento. Nem olhei. Ele sabia que estava com a cara olhando para o outro lado para que não visse meu sorriso. Quando fui passando com os bois pelo terreiro, ouvi quando disse: 

- Agora você vá dá com a língua nos dentes e contar o que houve aqui, viu? Dou-lhe uma surra daquelas. 

Daquelas que sempre jurou e que nunca deu. Não teve jeito, soltei os boi e a gargalhada e corri para o mato perto de casa. Terminou por sorrir comigo, ele e mãe. A cachaçada aconteceu e o assunto foi pai. Mãe contou tudo, tim-tim por tim-tim. Mãe era o homem da casa!


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