11 julho, 2017

PALAVRAS SILENCIOSAS

Por:
Luiz Jorge Ferreira
Regional SÃO PAULO
E-mailljorgeferreira@uol.com.br













Você irá fazer o último discurso, ao último sobrevivente, em uma derradeira reunião, em que as paredes do Bonde Paulista, estarão quase névoa, e as palavras vagarão atônitas sem saber onde se fixarem...”   
                    
Salun acordou de súbito... Havia adormecido no sofá, assistindo a última partida de Vôlei pela Liga Feminina Mundial. Olhou ao redor. Nem a janela estava entreaberta para deixar passar o ruído de vozes vindas da rua, além do que estava no décimo quinto andar. Televisão desligada, como acionara no automático.  Esqueceu o fato.   
                    
 Hoje, encontrava-se no palco das reuniões da Sobrames- SP.  Da janela para a Rua Oscar Freire, cotovelos apoiados no pequeno vaso de Acácias...  Viu aos cães pela Cardoso de Almeida chegarem ao Hospital das Clínicas, sedentos e exangues, à cata de hemácias, e desorientados procurando ainda assim dançar um derradeiro tango, em homenagem aos que declamaram poemas, criaram contos, e deram luz a romances.  Todos latindo... Uis.    
                   
Engoliu...desavisado...um  soluço que quase o engasga. Os cães por ali, fruto de capas e ilustrações.  Na esquina da Consolação, muito antes da Ipiranga com a São João, se aglomeram as pulgas, às voltas com vírgulas, ponto e vírgulas, crases e um asterisco que elas colocam sobre o dorso, e evitam que ele caia, quando de seus saltos olímpicos em direção ao Oeste.

Outrora passavam por ali: carros, caminhões, e o Metrô, também grandes ônibus triarticulados. Hoje, porém, só o tempo pedala sua bicicleta carcomida pelas caminhadas em direção, a escolher. Nem o vento que esmiúça o chão em busca de detalhes se importa com elas, em fila, aos saltos...

Aqui no Bonde Paulista, as memórias folheiam páginas, não pedem pizzas, nem palitam os dentes, nem abrem garrafas de um bom vinho, que seus frequentadores rotineiramente, o faziam... Talvez para molhar as palavras, quiçá para lubrificar os ouvidos, quem sabe apaziguar os sentimentos.

De qualquer maneira haverá alguém lá. Haverá sempre alguém à espreita, com sua presença, com seus olhares de soslaio, indagando para si...

- Onde andarão todos?

Sem notar que se aproximam os cães, agora calados, e se avizinham as pulgas, agora caminhando, e no silêncio da sala de muitas reuniões, o passado ligará o microfone, e lerá os avisos... E ele, o último sobrevivente, os perceberá conhecidos. Coisas, como coisa já ouvida.

Mas agora ele só se importa com as palavras atônitas, sem eco, dando de encontro às paredes. Por fim... Um fim.   


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