26 novembro, 2017

(PER)ORAÇÃO MATERNA


Por:
Ítalo Suassuna
Regional RIO DE JANEIRO
















VAI MEU FILHO, andarilho
vai devagar, se tens que ir
depende de começar – tal o comer e coçar.
E não vás nadar tão longe
e nem tão forte a jogar.
Não brinques demais com mulheres,
a vida não é só carnaval.
Olha a noite com cuidado
as luzes são falsas, e a alma
da noite é feita de breu.

o meu pai dizia, e repetia,
Quem dá aos pobres empresta a Deus
- sê caridoso sê prestimoso
pois perde quem tudo quer
e um olho grande dá azar.
Não chames o danado, não fales ao diabo
e quando o diabo se atirar,
a ti te atires ao pés de Deus.

VAI MEU FILHO, às mãos
De Deus, pois Deus dará
Que cada qual colhe o que dá
- se foi assim que o quiseste
e se é assim que o frio vem,
Deus dá a roupa que convém
e o futuro, Deus proverá,
por tudo isso eu vou rezar.

A vida sem Deus é de mistérios
- um caminho perdido
e a quimera partida
e a quem semeia o vento
a tempestade vem, que aperreia,
se assim não foi que bem te fez
foi o bom Deus que assim quis.

VAI MEU FILHO, se é
de cada qual o mundo em que vive
ouve em surdina a luz do teu coração
o murmúrio da vida, tornado clarão.
É um cantochão, são vozes do céu,
um cantata - ausculta essa voz
em meio à névoa que se adensa
no bradar das multidões.
Não sigas as más companhias
E a política, pois se é política,
e cada qual marcha para seu igual
aí não é, que se ata nem desata.

O grito uníssono é gerador de monstros
Os Bush(s) Saddam(s) e dragões
- respeita Jesus e Mahatma Gandhi
e os muitos mortos anônimos
cuja voz reboa na boca dos heróis;
acata respeita aceita a pequenez
dos que teimaram em sobreviver
no medo e no silêncio.

VAI MEU FILHO, sê cauteloso
não fabriques a mãe solteira
e não vás casar por lá.
Os olhos das mulheres furtam, na cor
não trazem a paz, traem o amor.
Ondulantes, serpentes elas são
medusas, na pele com textura de seda,
escondem asperezas, fascinam
e só sabem enganar,
têm dentes cortantes, na boca felina
a mordida assassina, da boca que canta
chamados ardentes, não só aguardente
travos amargos que ficam depois.

VOLTA MEU FILHO, neste dia
como num dia de teu aniversário
- o bolo eu faço, e os salgadinhos
de camarão como (gostavas);
pensei até no teu presente, qual
soldadinhos de chumbo (tua paixão).
E se careces uma boa roupa também,
recortarei a roupa usada - corto aqui
conserto acolá (esta foi do tio
que é meu irmão, e vai te dar).

O São João já vem, e fogos não tenho
Olha as estrelas, pede ao Papai
Noel que, no Natal que vem,
Trará o presente de te alegrar.
Para casa não tragas a incerteza
Da luta pugnaz da vida renhida,
ou nada que não foi dado a ti.
Aparece meu filho, volta agora
eu quero te dizer - olá! Vai tudo bem!

VOLTEI MINHA MÃE, a remirar
e absorver os teus cabelos brancos
diadema de prata que só se vê ao longe
quando se quer ouvir uma canção antiga
chamada saudade, composta por ti
- quando calada gestavas teus sonhos
e gastavas silêncio...
tuas obsessões, religião, contradição
preenchendo a solidão.

De bem longe eu venho,
das emoções e do pensamento
que me iam chegando persistentes,
por instantes, dono do tempo,
cruzando como sempre o caminho
só, do teu filho.

Rio (1998) / Teresópolis (2003)




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